sábado, 28 de fevereiro de 2009

Já pensou?

Logo que vim para a França, em agosto do ano passado, surgiu uma polêmica na Universidade Federal do Rio Grande Sul a respeito da pintura não-autorizada de uma parede com a frase "Pra que(m) serve teu conhecimento?". Como bom cidadão, não apóio a utilização de meios ilícitos e a depredação do patrimônio público. Considero que a estudante que pintou a parede poderia ter conseguido um impacto ainda maior com seu protesto se procurasse maneiras de difundir sua mensagem sem descumprir a lei.

Meio ano depois, confortavelmente adaptado à Universidade francesa, eu tenho dito que falta, aos meus colegas do IAE, uma dose de pensamento crítico. A questão formulada pela manifestante gaúcha serviria perfeitamente para a reflexão dos futuros gerentes franceses. A maioria deles não tem a menor ideia do que quer fazer com as ferramentas que recebe e jamais questiona os métodos empregados pelos professores em sala de aula. Só sabem que querem ganhar algum dinheiro, suficiente para manter o conforto em que vivem.
É uma falta de ambição generalizada, uma ausência completa de vontade de transformar a realidade. Acabarão desempenhando funções burocráticas em empresas cujos acionistas jamais conhecerão.

Quase todas as disciplinas que fiz até agora são ministradas de maneira a manter um fluxo de informação unidirecional. Professor fala e aluno escuta. Quando há alguma apresentação feita por um grupo de alunos, o grupo fala e o resto escuta. E anota. E escuta.

Há alguns dias, o Vedana me recomendou um vídeo do Luli Radfahrer, professor da ECA-USP, que conta, entre muitas outras coisas, que esse modelo unidirecional de aula é coisa dos tempos de escassez de informação, e que hoje, no mundo da Wikipedia, o grande desafio é selecionar a informação.

No caso da gestão, que é uma atividade humana, e não uma ciência, não faz nenhum sentido ministrar uma aula que não envolva prática nem troca de experiência. Como eu já mencionei em um post anterior, acredito que os professores deveriam propor desafios reais a seus alunos. Na cadeira de Métodos de Criatividade, uma deliciosa exceção à mesmice descrita acima, teremos que elaborar um plano de comunicação inovador para uma agência de trabalho temporário aqui de Grenoble, que também contratará profissionais (a serem batidos) para a realização da tarefa. É uma proposta de curso que rompe com a lógica da escola que acaba com a criatividade.

Melhor ainda seria incentivar projetos que causassem transformação social. Os estudantes ganhariam experiência e contribuiriam com causas importantes ao mesmo tempo. Já pensou?

Assistindo:
Sangue Negro, de Paul Thomas Anderson
Outro vídeo recomendado pelo Vedana, sobre a realidade das salas de aula universitárias

Ouvindo:
Steve Reich - You Are Wherever Your Thoughts Are

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Cidades

Sou uma criatura urbana. Gosto de observar a ocupação dos espaços, a organização dos serviços públicos, as soluções que as coletividades encontram para fugir da lógica devastadora que assombra a maioria dos grandes centros.

É verdade que a cidade onde eu vivo é um ótimo exemplo de planejamento, de convergência de interesses e de mobilização política. Grenoble é um grande centro de inovação, com um dos melhores sistemas de transporte público do mundo e uma capacidade de planejamento impressionante.

Mas o brilho de Lyon é incomparável. A terceira maior aglomeração da França (a Grande Lyon tem um milhão e trezentos mil habilitantes) é simplesmente bliss! Maior potência econômica desse velho país, a cidade elegeu um prefeito do Partido Socialista nas últimas eleições. Isso não impediu, no entanto, que a agenda de incentivo ao empreendedorismo, com título em inglês (ONLY LYON) e inspiração liberal, fosse mantida e aperfeiçoada pelo olhar crítico da nova gestão.

Tudo em Lyon enche os olhos. A metrópole, fundada em 43 a.C. pelo senador romano Lucius Plancus, mantém um bairro medieval e renascentista comparável ao de Veneza, mas não deixa de polir seus arranha-céus. O investimento em cultura faz qualquer queixo cair. Berço da invenção do cinema, Lyon abriga uma infinidade de museus temáticos, duas orquestras de nível internacional, o único teatro de alto padrão unicamente dedicado à dança do planeta, além de muitas outras coisas que eu nem tive tempo de ver.

Passei o dia na cidade, com o objetivo principal de assistir à ópera O Jogador, adaptação de Prokofiev para o romance de Dostoiévski. O ambiente era interessante, e o espetáculo era extremamente ensaiado e cheio de nuances. A Orquestra da Ópera de Lyon tem um maestro japonês e carismático (ao contrário de alguns outros), mas não me comoveu tanto quanto a feirinha de livros à beira do rio Ródano e a subsequente refeição em um restaurante de comida regional.

Cidades, boas cidades, são pura arte.


Lendo:
Umberto Eco - Como Viajar com um Salmão (versão francesa, comprada na feirinha de Lyon, e bem complementada pelo filme Os 12 trabalhos de Asterix).

Ouvindo:
Jimi Hendrix - Live at the Isle of Wight
Yann Tiersen - Tabarly (trilha sonora do documentário homônimo)